Brasil fortalece adoção da moeda local no Brics após investida de Trump.

Em meio à ofensiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brics, a presidência do Brasil no bloco se comprometeu a desenvolver uma plataforma que permita aos países-membros usarem suas próprias moedas para o comércio entre eles. A medida poderia abrir caminho para substituir, em parte, o dólar como moeda do comércio internacional.
“De forma a cumprir o mandato estabelecido pelos líderes do Brics na Cúpula de Johanesburgo em 2023, a presidência do Brasil dará continuidade aos esforços de cooperação para desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento, aproveitando sistemas de pagamento mais acessíveis, transparentes, seguros e inclusivos”, informa o documento divulgado pela presidência brasileira do Brics.
A medida contraria os interesses dos Estados Unidos, que iniciaram uma guerra comercial com a elevação de tarifas para alguns mercados e produtos, incluindo o aço e alumínio, mercadorias que o Brasil exporta para o país norte-americano.
Na última quinta-feira (13), antes de se reunir com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que faz parte do Brics, o presidente Trump declarou que o bloco estaria “morto” após ameaças de taxar em 100% as importações dos países que substituam o dólar. Por sua vez, o documento brasileiro afirma que o “recurso insensato ao unilateralismo e a ascensão do extremismo em várias partes do mundo ameaçam a estabilidade global e aprofundam as desigualdades”.
O texto destaca ainda que “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem ressaltado o potencial do Brics como espaço para a construção das soluções de que o mundo tanto precisa. Mais do que nunca, a capacidade coletiva de negociar e superar conflitos por meio da diplomacia se mostra crucial. Nosso agrupamento dialoga com todos e está na vanguarda dos que defendem a reforma da governança global”.
Desdolarização e impactos globais
O professor de ciência política Fabiano Mielniczuk, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), destacou que o Brasil precisará esclarecer melhor para o mundo o que significa esse tipo de mecanismo de pagamento em moeda local. “O Brasil tem enfatizado bastante, principalmente na figura do seu Sherpa novo, o [embaixador] Maurício Lirio, que não pretende avançar no sentido da desdolarização das relações econômicas internacionais. O Brasil não quer criar atritos com os EUA. E o Brasil precisa deixar claro até que ponto a criação de mecanismos para pagamento em moeda local no âmbito do Brics representa, ou não, uma alternativa ao dólar”, ponderou.
Para especialistas consultados pela Agência Brasil, os EUA buscam preservar sua hegemonia econômica global, sendo o dólar uma das suas principais vantagens. Por outro lado, os países do Brics defendem que o uso de moedas locais para o comércio traz benefícios econômicos e reduz fragilidades externas, evitando a dependência do dólar.
A professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Ana Elisa Saggioro Garcia, avalia que a nota do Brasil não trouxe novidades em relação ao que já vinha sendo discutido no bloco sobre os meios de pagamento, mas ainda falta detalhar como isso será implementado.
“Há muito o que se fazer para enfrentar esse período Trump. Acho que se, de fato, o Brics conseguir avançar em facilitar o comércio interno dentro do bloco, à revelia das tarifas impostas, avançando nos descontos de transações de crédito e no financiamento do comércio em moedas locais, teremos um avanço significativo”, comentou Ana Elisa, que é pesquisadora do Brics Policy Center, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
IA e fortalecimento industrial
O Brasil também promete fortalecer a recém-criada Rede de Think Tanks sobre Finanças e a cooperação em infraestrutura, tributação e aduanas. Além disso, visa aprofundar a Parceria Brics para a Nova Revolução Industrial (PartNIR), “cujo objetivo é a diversificação e a atualização tecnológica da base industrial dos países do agrupamento”.
A regulação da Inteligência Artificial (IA) é outra pauta da presidência brasileira no Brics. Para o professor Fabiano Mielniczuk, é essencial que os países do bloco avancem na proteção dos dados produzidos internamente. “Esses dados estão gerando riqueza para as big techs. O Brasil deveria focar na dimensão econômica da economia de dados que está por trás da geração de modelos de IA e não apenas regular o uso da IA. Se o viés econômico de economia de dados avançar no tratamento de IAs, os interesses do Sul Global serão atendidos”, destacou.
Reforma do FMI e Banco Mundial
O documento também detalha o compromisso do Brasil com a defesa da reforma das instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A ideia é aumentar a representação dos países em desenvolvimento em posições de liderança, refletindo melhor as contribuições das nações do Sul Global para a economia mundial.
Ademais, o Brasil pretende aprimorar iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo de Reservas para Contingências (CRA), criado em 2014, que oferece suporte para crises de liquidez dos países do bloco e conta com US$ 100 bilhões em reservas. Atualmente, o NBD é liderado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, que defende a expansão do uso de moedas locais no Brics.