STJ absolve mãe que lesionou filha durante ritual de candomblé

Decisão reafirma liberdade religiosa e repercute em debates sobre preconceito e direitos parentais no Brasil
Brasília – Em decisão unânime, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a absolvição de uma mãe acusada de lesionar a filha de 10 anos durante um ritual religioso de iniciação no candomblé. O caso, que gerou forte repercussão nos meios jurídicos e religiosos, reacende o debate sobre liberdade de crença, responsabilidade parental e respeito à diversidade cultural no Brasil.
A mãe, Juliana Arcanjo Ferreira, foi denunciada após o pai da criança identificar marcas no corpo da filha e acionar o Conselho Tutelar. As escarificações — pequenas incisões feitas com lâmina — são chamadas de “curas” e fazem parte de tradições religiosas afro-brasileiras. Para o Ministério Público, tratava-se de lesão corporal leve, com base na Lei Maria da Penha.
Contudo, a Justiça paulista absolveu Juliana em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, agora, confirmada pelo STJ. O ministro relator Otávio de Almeida Toledo entendeu que as instâncias inferiores já haviam avaliado corretamente o contexto e que o caso não comportava reexame das provas.
“O que está em jogo não é apenas um conflito familiar, mas a tentativa de criminalizar práticas religiosas de matriz africana. A decisão do STJ é um marco de resistência contra o racismo religioso”, afirmou o advogado Hédio Silva Jr., que defende Juliana e é também coordenador executivo do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro).
Mesmo absolvida na esfera criminal, Juliana perdeu a guarda da filha e permaneceu cerca de três anos sem poder visitá-la. Segundo ela, nem mesmo visitas assistidas foram autorizadas.
A repercussão do caso levanta questionamentos sobre a seletividade da Justiça e o desconhecimento generalizado acerca dos ritos religiosos afro-brasileiros. Práticas como a perfuração das orelhas de bebês ou a circuncisão em contextos judaicos e muçulmanos raramente são questionadas judicialmente — o que evidencia, segundo especialistas, um viés discriminatório.
Para entidades religiosas e defensores dos direitos humanos, a decisão do STJ representa uma vitória, ainda que tardia, na luta por igualdade de tratamento entre as diferentes manifestações de fé.